Bate-papo com padre Bruno Franguelli. Da Amazônia à Roma, passando pelas periferias humanas
À primeira vista, a juventude, a gentileza e o tom educado de sua voz não deixam transparecer a sua longa trajetória e o movimentado universo de histórias de mundo que ele coleciona. Padre Bruno Franguelli é um brasileiro que, assim como eu, voltou as suas origens, à terra de seus antepassados, a Itália. Ele conta com discrição que seus ancestrais, nascidos na região do Vêneto e na pequena cidade de Soncino, na Lombardia, partiram para o Brasil para levar adiante um amor proibido. Lá, a família começou uma nova vida e contribuiu com a fundação do bairro do Sacomã, em São Paulo.
Nascido em Sorocaba, Padre Bruno conta que apesar de não ter crescido em uma família profundamente católica, sempre frequentou a igreja. Tinha apenas 18 anos quando entrou para a ordem religiosa da Companhia de Jesus. Assim como a desafiadora história de seus familiares italianos, o enredo de sua trajetória pessoal também é repleto de recomeços.
Viveu em Campinas, em João Pessoa, formou-se em filosofia em Belo Horizonte, e aos 23 anos, como missionário, se uniu as tribos indígenas da Amazônia peruana, intuindo o quanto o contato com um mundo até então desconhecido poderia revelar-se transformador. Durante um ano e meio, em um território distante cerca de 24 horas da capital, Lima, e totalmente isolado, ele diz que sentiu “toda a beleza e o mistério da selva” e que essa experiência exigiu grande capacidade de adaptação.
Morando no exterior, conversamos sobre a disparidade de tratamento da questão indígena e da demarcação de suas terras nas pautas institucionais, estrangeiras e brasileiras. Sobre a nossa tendência a deslegitimar nossas origens, nossa cultura, muitas vezes rotulando-a com adjetivos pejorativos como por exemplo, primitiva. “Quando era criança e fazia alguma traquinagem, era comum ouvir frases do tipo não faça arte de índio, classificando-a como algo de segunda categoria”, lembra Padre Bruno, sublinhado esse preconceito arraigado. “Temos a tendência de valorizar tudo o que vem de fora e alimentamos uma guerra interna. Esquecemos que aquilo que faz parte de nossa identidade brasileira, como nosso amor pela dança, a capacidade de acolher, a arte, a tolerância, são fruto de nossas origens indígenas”.
O contato com Roma aconteceu pela primeira vez em 2014, para frequentar o primeiro ciclo de estudos em Teologia e ser ordenado diácono. Em seguida, como sacerdote, dedicou-se ao Santuário de Anchieta, no Espírito Santo.
Em 2019, antes da pandemia, voltou até a capital italiana e padre Bruno não esconde a emoção, como católico, de estar circundado pela história da cidade símbolo do Cristianismo. “É um sonho poder estudar, por exemplo, o evangelho de Marcos, que foi escrito em Roma, visitar as catacumbas ou conhecer de perto os lugares do martírio dos cristãos durante o período de perseguição por parte do império”, lembra.
Padre Bruno é um dos colaboradores do Vatican News, veículo de informação da Santa Sé, e durante o seu trabalho descreve como inesquecível o momento no qual teve a chance de conhecer pessoalmente o Papa Francisco, que assim como ele também é um jesuíta.
Pergunto a ele por que, ao tratar assuntos urgentes como a mudanças climáticas, a figura do Papa Bergoglio costuma dividir a opinião pública, principalmente aquela latino-americana.
“Além de questões morais, ele trata de assuntos como a casa comum, a natureza, o mundo, e esses assuntos “sacodem” as pessoas, mas acho que o que divide não é a figura do Papa, mas os temas em si”, opina. Ele lembra que há quem acredite que toda questão humana é uma questão cristã e quem se incomode com esses temas ou sustente que lugar de padre é na sacristia.
Sobre o crescimento exponencial do número de brasileiros na Itália (85, 7 mil em 2018, 161 mil em 2020, segundo o Ministério das Relações Exteriores), Padre Bruno concorda que é difícil atribuir esse êxodo a um único fator e sobre o peso, não só econômico, mas social, desse fluxo de brasileiros no exterior. “Além da legítima busca pela segurança, há também questões econômicas e éticas como o combate à violência com a violência, com a hipótese de armamento da população“.
Nesse sentido, ele afirma: “acredito que o caminho seja a educação como única forma de reduzir a pobreza cultural”. Voltando no tempo, relembra das linhas escritas por Pero Vaz de Caminha, “em se plantando tudo dá, e, metaforicamente, sobre o fato que temos colhido pouco ultimamente.
Entre as questões cruciais na Itália, ele cita a imigração e o processo de integração dos imigrantes. Recentemente, Padre Bruno esteve em Lampedusa, a ilha italiana conhecida por ser uma das metas principais dos imigrantes que, por via marítima, chegam de países como a Líbia e a Tunísia. Ele diz que apesar de pequena – apenas 6 km -e de somar cerca de 6 mil habitantes, a consciência cristã de seus habitantes fala mais alto. “Apesar do medo do outro, de diferenças culturais, em geral são hospitaleiros”, opina. “Algumas famílias chegaram até a adotar crianças estrangeiras, mas, infelizmente, a pandemia provocou uma separação forçada entre moradores da ilha e imigrantes”, completa.
Padre Bruno é muito ativo nas redes sociais e pergunto a ele a importância dessa comunicação “horizontal” para se aproximar dos fiéis. Ele considera a presença virtual um grande desafio, já que o meio digital transformou radicalmente as nossas vidas. “Acho que a condição necessária para existir nas redes é manter a mesma identidade no mundo on-line e naquele off-line, sem se sentir protegido por uma camada de anonimato, e criando conexões uns com os outros”, considera. “Para o Cristianismo, isso é o importante. Basta lembrar que até a origem da palavra comunhão ou o ato de comungar, em italiano, significa comunicar-se e que sem essa conexão verdadeira a comunicação é egoísmo espiritual”.
Se por um lado, a Internet pode criar infinitas vias de solidariedade, ele chama a atenção para o risco de “consumir espiritualidade nas redes”, aquilo que Papa Francisco definiu como “mundanidade espiritual”, com produtos criados estrategicamente para atrair seguidores e futuros consumidores.
Morando na Itália, padre Bruno já teve a chance de conhecer várias metas sonhadas por turistas católicos. Além do afeto que nutre por Veneza, graças a suas origens, ele sugere alguns lugares imperdíveis para os fiéis brasileiros. Além de Assis e Cássia, ele indica o Santuário de San Giovanni Rotondo, dedicado a Padre Pio, na Puglia, aquele de São Benedito (San Benedetto il Moro), em Palermo, e a igreja de Santo Antônio em Pádua.
Diante de urgências, de um mundo acelerado, de identidades fluidas, de novas fronteiras, finalizo a nossa conversa com Padre Bruno perguntando a ele o que significa ser cristão hoje. Ele responde com convicção: “coração ancorado nos valores do evangelho e não ter medo de alcançar as periferias humanas, de tocar o diferente”. O tempo passou e até me esqueci que a arte da escuta é tão importante como aquela da escrita.