O que o fechamento da rede Domino’s Pizza nos ensina sobre a Itália
Não é só esnobismo ou birra de tradicionalistas. Pizza na Itália é coisa séria e sinônimo de identidade cultural e gastronômica
Arrivederci! Por que a tentativa Domino’s Pizza de impor-se no mercado italiano pode ser considerada, como dizemos por aqui, uma grande “svista” ou desatenção? Porque vender uma pizza aos italianos é como levar gelo até os esquimós.
Para quem não acompanhou a notícia, o colosso americano Domino’s Pizza – que desembarcou na Itália em 2015 com uma rede de franquias – anunciou o fechamento definitivo de suas últimas 29 lojas presentes no país.
Fundada na década de 60 pelos irmãos Tom e James Monaghan, Domino’s Pizza consolidou-se no mercado americano. Além de cotada em Wall Street, em 1998 o futuro candidato à Casa Branca, Mitt Romney, comprou 93% de suas ações por um grande valor de mercado.
Na Itália, Domino’s Pizza tinha lojas em cidades como Roma, Milão, Turim e Bergamo, mas mais de 10,6 milhões de euros de dívidas. Os planos de expandir a rede com mais de 900 lojas até 2030 foram por água abaixo.
Por ser um produto de largo consumo e vendido a preços acessíveis, o mercado da pizza na Itália pode parecer promissor para um estrangeiro, mas o que nem todo mundo sabe é que, ao contrário do que muitos veículos da imprensa internacional comentaram, a saída da Domino’s Pizza do país não é uma simples questão de esnobismo italiano.
Para começar, vamos falar do fenômeno do chamado Italian Sounding, a tendência, no exterior, a usar nomes italianos para produtos que não são autenticamente italianos.
Recentemente, durante uma viagem à Berlim, por exemplo, o cardápio de um hotel refinado apresentava a pizza “Diavolo”, a base de salsicha, milho e salada. Claro que diante de aberrações assim os italianos torcem o nariz.
Fato não menos importante é que se a primeira pizza foi inventada entre 1500 e 1660 no antigo Reino de Nápoles e sobreviveu até hoje, conquistando o título de patrimônio cultural da humanidade pela Unesco, isso significa que é um prato fortemente ligado à tradição napolitana.
Também não devemos subestimar o fato que na Itália “menos é mais”. A tradicional pizza margherita, inventada em 1889 por Raffaele Esposito, em homenagem à rainha Margherita di Savoia, tem como ingredientes tomates, mozzarella e manjericão.
Pizzas repletas de recheios não costumam agradar o paladar italiano.
Outros aspectos importantes: os restaurantes italianos preferem privilegiar ingredientes cultivados “a Km 0”, localmente ou a breve distância.
Isso significa evitar frutas exóticas – como o abacaxi, rei das pizzas americanas – que para chegarem na Itália enfrentam longas viagens, poluindo o planeta.
Italianos também procuram resgatar o uso de farinhas antigas, de moinhos tradicionais que correm o risco de desaparecer, e de investir nas pizzas com massas de longa fermentação natural, mais fáceis de serem digeridas.
Percebem por que os italianos se identificam com a pizza italiana e não com aquelas importadas? Por isso, conhecer profundamente uma cultura antes de investir em um mercado internacional pode ser vital para um negócio. Não é birra, é tutela de um patrimônio cultural e gastronômico.