Finados na Itália: rituais, superstições, tradições e curiosidades
Aqui na Itália o feriado do Dia de Finados não coincide com aquele brasileiro. Explico melhor. Segundo o calendário litúrgico, no dia 1° de novembro é dia de todos os santos ou, em italiano, Ognissanti. É nessa data que é feriado na Itália, enquanto no dia 2 de novembro, Giorno dei Morti, quase todas as atividades funcionam normalmente.
A Itália é um país predominantemente católico e, geralmente, nos dias que antecedem Finados, muitas famílias visitam os seus entes nos cemitérios. Quem assistiu o filme Volver, de Pedro Almodóvar, deve lembrar-se que em uma das cenas iniciais do filme as protagonistas são mulheres que limpam minuciosamente os túmulos dos parentes. Essa tradição também é frequente aqui.
Em cemitérios como aquele Acattolico ou o Cimitero del Verano, o mais importante de Roma, cidadãos de várias classes sociais lavam, lustram e levam flores a túmulos monumentais ou a sepulturas simples. Lá você encontra túmulos de personalidades, estadistas ou atores famosos como Marcello Mastroianni ao lado de pessoas comuns. Em sua poesia mais famosa, A livella, Totò, ator cômico napolitano, reflete sobre a homologação entre ricos e pobres depois da morte.
A poesia foi inspirada nos afrescos da Catacumba de San Gaudioso, local de sepultura de aristocráticos e eclesiásticos. Em uma das pinturas, é retratado um esqueleto nu e, aos seu pés, uma ampola do tempo, um livro, uma coroa e um cetro. Todos objetos supérfluos porque a morte não vê diferença entre um indivíduo e outro. Em seus versos em dialeto napolitano, Totò diz: “… A morte ‘o ssaje ched”e?… è una livella. ‘Nu rre, ‘nu maggistrato, ‘nu grand’ommo, trasenno stu canciello ha fatt’o punto c’ha perzo tutto, ‘a vita e pure ‘o nomme: tu nu t’hè fatto ancora chistu cunto? Perciò, stamme a ssenti… nun fa’ ‘o restivo, suppuorteme vicino – che te ‘mporta? Sti ppagliacciate ‘e ffanno sulo ‘e vive: nuje simmo serie… appartenimmo â morte!”.”
“A morte, você sabe o quê? … É como um nível. Um rei, um magistrado, um grande homem, atravessando esse portão, chegou ao ponto de perder tudo, a vida e também o nome: você ainda não fez as contas? Portanto, ouça-me … não seja relutante, suporte-me perto de ti – porque se incomoda? Deixemos essas palhaçadas aos vivos…Sejamos sérios! Nós pertencemos à morte!”
Em algumas regiões da Itália existem maneiras diferentes de encarar a morte. Na Sicília, por exemplo, no dia 2 de novembro é realizada a “Festa dei Morti”. Segundo uma antiga crença, na noite entre os dias 1° e 2 de novembro os defuntos visitariam os seus parentes e levariam doces para as crianças. Nessa ocasião, os pais costumam comprar brinquedos para os pequenos ou preparar em casa guloseimas com nomes bizarros como rame di Napoli, ossa di morto, nzuddi e pupi di zuccaro, verdadeiras estátuas de açúcar.
Em Il giorno in cui i morti persero la strada di casa (O dia em que os mortos perderam a estrada de casa) o escritor siciliano Andrea Camilleri conta que, com a sua melhor roupa, quando criança ia ao cemitério acompanhado pelos familiares e, no dia 2 de novembro, era uma festa encontrar os colegas e descobrir o que cada um tinha recebido como presente dos parentes mortos.
Na Itália cada região é rica de tradições culturais e folclore e a morte é um tema recorrente. Uma das figuras discutidas por antropólogos é aquela da Femmina Accabadora, o nome atribuído as mulheres que abreviavam a vida de idosos moribundos, extinguindo os seus sofrimentos. O doente era sufocado com o auxílio de um travesseiro ou atingido por golpe de martelo na cabeça.
Mito ou verdade? Hoje, a tarefa da Accabadora poderia ser classificada como eutanásia, mas no passado era interpretado como um ato de compaixão. Accabadora também é o título de um romance premiado na Itália, cuja autora é Michela Murgia.
A morte também é ligada a superstições. Na cidade de Gubbio, na província de Perugia, ainda é possível ver casas com duas portas: uma de tamanho normal e outra bem menor e mais estreita, com no máximo, 120 cm de altura.
Os cidadãos de Gubbio são supersticiosos e afirmam a porta menor servia para transportar o corpo do defunto, evitando a porta principal. Na verdade, nas residências medievais as portas mais estreitas representavam um ingresso privilegiado à ala nobre da casa, construída sobre lojas e armazéns. Os moradores usavam uma escada de madeira para ter acesso ao andar superior e a afastavam para evitar roubos.
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