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Tradição x Legalidade. Orecchiette de Bari no New York Times

Quando penso em Bari, a primeira coisa que me vem em mente é a Via dell’Arco Basso e as senhoras que preparam o macarrão tipo orecchiette diante de suas casas. Uma tradição que corre o risco de desaparecer e que foi tema de reportagem no New York Times.

Se você é descendente de italianos, provavelmente deve guardar na memória alguma recordação ligada aos seus avós e ao ritual de preparar, em casa, diversos tipos de massas frescas.

Poucos ingredientes. Graças a mãos hábeis, água, farinha e as vezes ovos presenteados por aquele parente que mora em uma chácara, transformavam-se magicamente em fettuccine, tagliatelle, raviólis e afins.

Eram os tempos nos quais a tradição culinária transmitia-se oralmente. De avó para mãe. De mãe para filha ou filho. Dos aventais manchados pela farinha. Da panela de molho no fogo que, aos domingos, dissipava no ar o aroma de casa, de família.

Nossas avós não contavam com aliados como parafernálias tecnológicas. Não procuram receitas no YouTube. Não possuíam o último modelo de batedeira planetária. Não eram obcecadas por modismos gastronômicos. Pelos produtos orgânicos, gourmets ou a km 0. Pelas etiquetas de embalagens que indicam calorias, percentuais de carboidratos, gorduras, proteínas. Nossas avós, simplesmente, usavam o que tinham na dispensa.

Assim também fazem as senhoras de Bari que, diariamente, na Via dell’Arco Basso, usando exclusivamente o polegar e uma faca preparam quilos de orecchiette prontas para serem vendidas aos turistas. Para saber mais, você pode ler o meu post Via delle Orecchiette: pasta e portas abertas em Bari

O cenário são os becos de Bari Vecchia, a poucos metros do centro histórico e da catedral de San Nicola. O ambiente é informal. Diante das portas escancaradas de suas casas, as senhoras montam os seus bancos e logo cedo começam a misturar os ingredientes e a realizar le orecchiette. Em dialeto, estrangeiros e locais se entendem. Elas pesam o macarrão fresco, que será levado pelos turistas para casa em saquinhos de plástico, sem etiquetas, sem notinha fiscal.

Essa simplicidade de um mercado que até hoje sempre foi informal nunca havia incomodado ninguém. Pelo contrário. Bari entrou para a lista das TOP 10 das metas indicadas por guias turísticos como a Loney Planet. Bari Vecchia também foi o cenário escolhido para as gravações de um comercial de Dolce e Gabbana. E chefs internacionais como Jamie Oliver rodaram pela região para tentar descobrir os segredos de cozinha delle nonne italiane.

Em outubro de 2019, no entanto, a polícia sequestrou alguns quilos de orecchiette que o proprietário de um restaurante de Bari havia comprado na Via dell’Arco Basso. Isso porque a legislação nacional e europeia obrigam os restaurantes a especificarem a origem e os ingredientes dos pratos servidos. A pasta pode ser vendida para consumo pessoal, mas no caso dos restaurantes sé preciso uma licença especial.

A notícia ganhou eco internacional porque o New York Times dedicou uma página inteira ao assunto, com um matéria intitulada Call it a Crime of Pasta.

O artigo redigido por Jason Horowitz aborda a luta entre severas normas higiênicas e sanitárias e da economia formal contra quem trabalha até 10 horas por dia para manter a própria família.

Muitas das senhoras de Bari já superaram os 70 anos de idade, mas continuam trabalhando porque você engana-se se pensa que na Itália aposentadoria e trabalho fixo são garantia para todos. Desconfie de quem vende a ideia do Italian dream.

A prefeitura da cidade promete estudar uma solução para manter viva a tradição delle orecchiette e há quem sugira que as moradoras organizem uma cooperativa. A imposição de tocas, notas ficais e impostos que o jornalista define como “a guerra delle orecchiette”.

A verdade é que se, nos últimos anos, Bari Vecchia foi revitalizada e voltou a ser uma zona frequentada por turistas grande parte desse mérito deve ser atribuído às senhoras delle orecchiette. Será mesmo que a pasta fresca é a grande vilã, em um mundo acostumado a digerir produtos ultraprocessados?

Se você quiser explorar a região da Puglia fale com a gente para descobrir o nosso roteiro de viagem pela região!

 

 

 

 

 

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