Bolgheri. Símbolo de ciprestes e de um supertoscano, o vinho Sassicaia

Se você é um apreciador da enologia italiana, provavelmente já deve ter ouvido falar de Bolgheri. Nessa fração da cidadezinha de Castagneto Carducci, na Toscana, são produzidos alguns dos melhores vinhos do mundo, como o Sassicaia, o Ornellaia, o Tignanello e o Masseto.

Localizada na província de Livorno, na parte de litoral conhecida como Costa degli Etruschi, Bolgheri também entrou para a história graças aos versos da poesia Davanti a San Guido, de Giosuè Carducci, primeiro Nobel da literatura italiana: “I cipressi che a Bolgheri alti e schietti van da San Guido in duplice fila…” (Os ciprestes que em Bolgheri altos e sinceros saem de San Guido em dupla fila…).

O chamado Viale dei Cipressi citado na poesia (na verdade a strada provinciale 16d SP 39-Bolgheri) é uma estrada de quase cinco quilômetros, decorada por 2540 ciprestes seculares de ambos os lados, e que une o Oratorio di San Guido até o centro histórico de Bolgheri.

Bolgheri é o típico vilarejo toscano. Minúsculo para os padrões brasileiros, conquista pela sua tranquilidade, pela beleza rústica de suas casas de pedra decoradas com floreiras, pela graça de sua praça principal, circundada por um castelo, enotecas, lojas de artesanato e produtos típicos como o perfume Acqua di Bolgheri.

Eu cheguei lá de bicicleta, percorrendo a Via Bolgherese e estradas margeadas por plantações de oliveiras e parreiras, na companhia dos ciclistas de TuscanyLoveBike.

Existe um provérbio italiano que diz: “nella botte piccola c’è il vino buono” (no barril pequeno há bom vinho) e considerando o tamanho de Bolgheri essa máxima também vale para essa cidade.

A proximidade com o mar é responsável pela qualidade de seus grandes vinhos. Para quem não sabe, o seu clima enxuto e ensolarado permitiu o cultivo, na Itália, de uvas típicas de Bordeaux, como Cabernet Sauvignon, Merlot e Petit Verdot, entre outras.

A história dos famosos vinhos de Bolgheri começou na virada entre as décadas de 60 e 70, quando produtores locais desafiaram as regras e começaram a elaborar vinhos com uvas francesas e, portanto, não classificados com a denominação de origem.

O marquês Mario Incisa della Rocchetta intuiu o potencial da região pedregosa (sassosa) de Bolgheri, comparando-a ao terroir de Graves (cascalhos) de Bordeaux. Para uma terra associada desde sempre às uvas Sangiovese, a ideia de reinventar em solo italiano o cenário francês, com uvas não autóctones, parecia totalmente descabida.

Inicialmente o vinho foi produzido somente para consumo familiar. Sua primeira safra só foi comercializada a partir de 1968.

Apesar de ser um grande vinho, como empregava uvas não permitidas pelo sistema de denominação da região, no princípio o Sassicaia não foi classificado como o selo D.O.C.(Denominação de Origem Controlada) e recebeu somente a indicação de “Vino da Tavola” (vinho de mesa), a mais baixa no ranking de classificação dos vinhos nacionais.

Seu destino começou a mudar quando um crítico estimado, em uma degustação à cega, atribuiu pontuação máxima para o Sassicaia 1985, achando que se tratasse de um Château Mouton-Rotschild de 1986. A partir de então, especialistas americanos, entusiasmados com o estes vinhos, começaram a chamá-los de supetuscan para diferenciá-los dos outros tintos de qualidade inferior.

Surgiam assim os supertoscanos, oficializados com o selo DOC, primeiro em 1983 para brancos e rosados, e  somente em 1994 para o (Bolgheri Sassicaia DOC).

Nos anos seguintes, a experiência do Sassicaia inspirou outros produtores de vinhos que também alcançaram a fama como o Solaia, o Tignanello, Masseto e o Ornellaia

Em agosto de 2019, para festejar os 25 anos do selo DOC, foi organizado um jantar para 750 convidados, com uma mesa ao aberto no famoso Viale dei Cipressi. Hoje, uma garrafa de Bolgheri Sassicaia DOC, dependendo do ano de produção, pode custar entre 200 e 3 mil euros.

A brisa e as leves excursões térmicas do verão permitem uma maturação lenta e constante das uvas e de seus açúcares, polifenóis e aromas. Essas características garantem uma alta a acidez, indispensável para o equilíbrio dos vinhos.

Hoje, Bolgheri é conhecida principalmente pela qualidade de seus vinhos tintos, mas seu território também produz brancos e rosés.

Entre as suas excelências tintas, para ser rotulado como Bolgheri Superiore, o vinho precisa amadurecer pelo menos dois anos, sendo um deles em barril de carvalho, além de enfrentar controles de rendimento da vinha.

Já em um vinho rotulado como Bolgheri Sassicaia DOC, além de ter o rendimento da vinha ainda mais restrito, as uvas Cabernet Sauvignon têm uma participação de, pelo menos, 80% do total. Deve ser envelhecido por pelo menos dois anos, sendo que 18 deles em barrique.

Um passeio até Bolgheri não seria completo sem uma degustação de vinhos e para isso estive no Podere Grattamacco, fundado em 1977, e que produz excelências como o Grattamaco Bolgheri Rosso Superiore DOC, o Bolgheri Rosso DOC e L’Alberello Bolgheri Superiore DOC, entre outros. A degustação desses três vinhos, com visita à cantina e explicação sobre os vinhos custa 35 euros por pessoa.

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