Pietrabbondante. Entre templos e teatro, a revanche da região do Molise
Quem diria. A revanche do interior. O Molise, região da Itália famosa por “não existir” e motivo de sarro por parte dos italianos devido a sua dimensão reduzida e ao seu alegado provincianismo, está no centro das atenções.
Explico melhor. Na prática, o Molise existe geograficamente e politicamente. Possui o mesmo status de outras regiões como o Lazio, a Toscana ou a Lombardia. Só que nos últimos anos foi alvo de piadas que deixam subentendidas o seu pouco appeal.
Em uma das cenas de Sole a Catinelle, filme do famoso cômico italiano Checco Zalone, um pai promete férias incríveis para o próprio filho caso ele tenha um boletim com notas altas na escola.
Sem dinheiro, quando ele descobre que o filho teve um desempenho escolar excelente diz à criança que a meta das férias é um segredo. Que fica na Europa e tem seis letras. O menino tenta adivinhar, apostando em capitais europeias, mas quando descobre que irá ao Molise começa a dar gargalhadas.
Se você acompanha o Post-Italy.com com frequência, deve saber que sempre tento divulgar metas menos conhecidas da Itália e o Molise está entre elas. Vira e mexe os holofotes da mídia especializada em turismo colocam em evidência um destino que acaba virando “moda”.
Não é de estranhar. O “passaparola” ou boca a boca sempre existiu, mesmo antes do efeito amplificador das mídias sociais. Basta pensar no Grand Tour como fenômeno social; uma espécie de viagem cultural que, no século XVIII, colocava rotas e cidades europeias no mapa obrigatório dos jovens de classes privilegiadas.
Quase sempre a Itália está entre os destinos imperdíveis dos principais guias turísticos e o New York Times acaba de incluir o Molise entre as 50 metas para se visitar em 2020, além da Sicília e da cidade de Urbino.
Aqui no blog a região mais “jovem” da Itália (até 1963 era parte do distrito administrativo de Abruzos-Molise) já foi tema de artigos dedicados aos tradicionais sinos de Agnone, ao espetacular ritual de fogo da La ‘ndocciata e ao restaurante revelação Locanda Mammì.
Para quem não sabe, a capital do Molise é Campobasso e essa região do centro/sul é prevalentemente montanhosa, mas também tem uma parte de litoral banhada pelo mar Adriático. Une em um único território a chance de repercorrer a rota da “transumanza” – a migração de ovelhas – de contemplar um mar cristalino como aquele de Termoli, mas sem multidões, ou de viver a emoção de percorrer a chamada Transiberiana da Itália, a linha ferroviária que une o Abruzzo ao Molise.
O Molise é uma região da Itália onde ainda existe uma forte ligação com a terra. Onde em pequenos vilarejos de interior os habitantes de conhecem por nome e a comunidade local faz questão de ser hospitaleira e de mostrar aos visitantes as belezas locais. Ideal para quem procura sossego.
A região também é rica de história e provavelmente você não imagina que no Molise é possível encontrar importantes sítios arqueológicos. Só para vocês terem uma ideia, nos arredores do pequeno vilarejo de Pietrabbondante, com menos de 800 habitantes (sim, você leu bem!), ficam os vestígios da civilização dos Sanniti ou Sannitos, um antigo povo itálico que teve a coragem de desafiar os potentes romanos entre o IV e III século a.C e, mais tarde, aliou-se aos romanos contra um inimigo comum: Aníbal. Na praça da cidade fica uma estátua de bronze que representa um guerreiro sannito.
Na verdade, decidimos esticar nossa viagem até lá graças ao conselho da proprietária do hotel onde ficamos, o gracioso Il Lavatoio, em Castel de Sangro, na vizinha Abruzzo, que manteve intacto o antigo tanque comunitário que deu origem ao nome da estrutura hoteleira.
Pietrabbondante, na província de Isernia, foi construída aos pés do monte Saraceno e muitas casas foram erguidas sobre rochas nuas chamadas “Morge”. Ao visitar o local, a sensação é que as montanhas abracem a cidade. Poucas casas. Muitas delas com as chaves do lado de fora da fechadura. Um bar cafeteria que funciona como ponto de agregação. Uma montanha pronta a ser escalada para admirar uma vista de 360 graus das montanhas da região.
A parte mais surpreendente de Pietrabbondante é o seu santuário e centro político, provavelmente construído entre o II século a.C e 95 a.C.
Além de dois templos, o protagonista do santuário é um teatro de pedra muito bem conservado que servia não só de palcos para espetáculos, mas também para reunir a assembleia dos sannitos. Religião e política em um único lugar.
No santuário também venerava-se a deusa da abundância, fundamental em uma comunidade com forte ligação com a terra, e divindades ligadas à vitória, à honra militar e à virtude cívica. Durante escavações no local, os arqueólogos italianos encontraram estátuas de terracota que compararam à arte helenística da Ásia menor.
O New York Times está certo ao defender a ideia de explorar destinos fora do comum, mas isso a gente já sabia. A Itália tem vinte regiões e 7904 comuni. Um país inteiro, com suas peculiaridades, a ser descoberto. Basta ousar e se precisar de ajuda para isso conte com a gente!
Sobre o Molise, leia também:
A tradição milenar dos sinos de Agnone, no Molise
Locanda Mammì. Restaurante revelação no Molise
La ‘ndocciata de Agnone. O espetacular fogo da fraternidade no Molise