Sammichele di Bari. A Puglia do misticismo, tradições camponesas e folclore onde todos são filhos do carnaval
Se em sua próxima viagem para a Itália a ideia for fazer uma imersão na cultura do sul do país, comece a pesquisar sobre Sammichele di Bari, que fica a cerca de 30 quilômetros da capital pugliese.
Essa cidade ainda pouco batida pelo turismo de massa conserva um patrimônio imaterial difícil de descrever, mas que salta aos olhos assim que você começar a passear pelo seu centro histórico e interagir com seus moradores.
Sammichele di Bari resume bem aquele conjunto autêntico de tradições populares, espiritualidade, folclore e enogastronomia, não porque optou por parar no tempo, mas porque sabe que uma identidade forte não pode renegar o passado.
Hoje Sammichele di Bari tem cerca de seis mil habitantes, mas imaginem que no século XVII essa cidade foi uma espécie de laboratório social.
Ali morava o conde português Michele Vaaz, proprietário de um grande feudo. Para povoar suas terras, ele decidiu acolher uma comunidade da Sérvia que fugia da ocupação turca com a condição era que eles se convertessem ao Cristianismo.
Aparentemente, eles aceitam essa imposição, mas escondidos continuam batizando os próprios filhos com o ritual ortodoxo e por esse motivo foram expulsos do feudo que mais tarde passou a ser uma propriedade da dinastia Caracciolo.
Passeando pelas ruas e becos do centro histórico, é impossível que sua vista não seja ofuscada pelo branco de suas casas. Na cidade, é tradição renovar a pintura em homenagem a São Miguel e sobrevivem casas rurais construídas com pedra local, chamadas de “vignali. Elas eram decoradas com o ramo de uma videira em sua porta principal, para proteger os moradores do sol e como amuleto de boa sorte. Algumas delas podem ser vistas na área conhecida como Casamicciola e ruas como Vico Spezzato.
Os moradores de Sammichele di Bari costumam dizer que a cidade tem um quê de místico e, na verdade, nessa terra é bem evidente o mesclar-se do sacro e do profano. Para afastar o mau-olhado, diversas casas possuem máscaras apotropaicas em suas fachadas.
O carismático senhor Ugo, ator de teatro e proprietário de uma loja de artesanato de palha, confirma que quem pisa em Sammichele volta de lá amparado, protegido.
Enquanto realiza manualmente objetos como cestas e chapéus, declama os versos de uma antiga lenda pugliese, aquela da “masciara”. Nas noites de lua cheia, essa figura entrava nas casas, atrapalhando a vida de quem encontrava. O seu ponto fraco, no entanto, é que ela conta todos os objetos que vê pelo caminho, antes de atingir sua vítima. Se antes de entrar em uma casa ela encontrar pendurada uma vassoura de palha, conta todos os seus fios, perdendo tempo. Assim, amanhece um novo dia e ela é obrigada a deixar a casa e só voltar na próxima noite de lua cheia.
Respeitando aquela velha frase, “não creio em bruxas, mas que elas existem, existem”, ele me presenteia com uma vassoura em miniatura.
O papo é bom, mas o bater dos sinos da torre do relógio de Sammichele di Bari lembra que ainda há muito o que se fazer na cidade.
A próxima etapa desse itinerário turístico é a igreja neoclássica Santa Maria del Carmine e a praça Vittorio Veneto, que por sua extensão e beleza poderia servir de cenário cinematográfico.
A igreja mais antiga da cidade, no entanto, é a Chiesa di Santa Maria Maddalena, erguida a partir de 1620 e em seus subterrâneos existem três sepulcros usados até 1844.
Engana-se quem pensa que em uma cidade pequena faltem grandes atrações. Assim que se deparar com o seu Castello Centurione (do nome do banqueiro genovês Heronimo Centurione), em seguida chamado Castello Caracciolo, ligado à dinastia que assumiu o feudo até 1806, você não deixara de em quanta riqueza concentra o sul da Itália.
Na década de 70, o castelo foi comprado pela prefeitura da cidade e hoje funciona como Museo della Civiltà Contadina Dino Bianco, um grande espaço que, com um acervo de mais de cinco mil objetos, que repercorre as tradições agrícolas da cidade que, durante a Segunda Guerra Mundial, abrigou soldados americanos que colaboraram com a libertação da Itália do nazifascismo.
Maio de 1945 é um momento que os moradores de Sammichele di Bari lembram como o mês no qual os soldados, graças a uma ação paramilitar, posicionam novamente na torre da igreja mãe da cidade um grande sino de bronze que tinha sido danificada. Décadas depois, o filho de um daqueles soldados, o professor americano James Pratt, voltou à Sammichele di Bari para reviver o passado de seu pai na Puglia e descobrir como ele teria se tornado uma espécie de herói.
No museu também fica um exemplo da típica fantasia de carnaval da cidade, o chamado “l’hom(e)n(e) curt(e)”, que lembra um camponês de baixa estatura e com a cabeça grande.
Em um adulto de altura regular, é colocada uma peneira na cabeça, u farnal(e), e um saco de juta que cobre a pessoa até os quadris. Em suas laterais é amarrado transversalmente um cabo de vassoura, o mazz(e) d(e) o scop(e), que imitam braços nos quais são inseridas as mangas de uma camisa e um paletó.
Parece um paradoxo, mas o Carnaval em Sammichele di Bari é levado a sério. Não é uma festa qualquer, mas um evento que acontece há séculos, desde 1616, quando Pedro Téllez Giròn, vice-rei de Nápoles, proclamou que todos os cidadãos deveriam usar máscaras no Carnaval.
No início, as festas eram organizadas apenas nas mansões dos ricos, mas em sem pouco tempo a ideia foi adotada por todas as famílias que enxergavam a festa como uma oportunidade para encontrar um “bom partido” para suas filhas.
A tradição sobrevive e ainda hoje, em plena era de aplicativos de encontros, como Tinder, os moradores da cidade juram que festa é o principal momento de encontro das jovens gerações e que, no bem e no mal, quase todos os cidadãos de Sammichele di Bari são “filhos do Carnaval”.
Imagine a atmosfera naif de um bailinho dos anos oitenta, com regras bem claras a serem seguidas. Por exemplo? Homens não podem sentar-se ao lado das mulheres e uma supervisora determina quais cavalheiros podem convidar uma dama para dançar ou quem deve ser bandido do baile por ter importunado alguém.
Quem não tem possibilidade de organizar festas em sua própria casa pode frequentar uma festa de Carnaval alheia, mas já que todos usam mascaras, para entrar precisa ser acompanhado por uma pessoa de confiança, de cara descoberta (il conduttore), e aprovado por um porteiro, braço direito do supervisor do baile.
No baile, o acompanhante pode convidar uma pessoa do sexo oposto a dançar, enquanto as pessoas mascaradas só podem convidar homens.
Os bailes acontecem a partir de 17 de janeiro às quintas, sábados e domingos e duram até a terça-feira anterior à Quarta-Feira de Cinzas. No último domingo, acontece um desfile que percorre o centro da cidade com carros alegóricos.
Uma viagem para a Puglia não é completa sem uma imersão gastronômica e há muito o que se provar em Sammichele di Bari. Para começar, que tal um prato de macarrão tipo orecchiette ou uma burrata fresca?
A cidade é famosa pela Focaccia a livre, que tem a forma de uma espiral e é assada no forno que usa cascas de amêndoas em vez da lenha tradicional.
Outro prato imperdível é pela “zampina”, linguiça assada nas diversas “braccerie” da cidade. Durante o verão, no último sábado e domingo de setembro, a cidade recebe centenas de visitantes que chegam em Sammichele di Bari para devorar essa especialidade gastronômica.
Assim como é comum em outras áreas da Puglia, em Sammichele di Bari é tradição comer direto da fonte, dos açougues que preparam e assam diretamente as linguiças. Elas são preparadas desde o século XVII, quando pastores usavam a carne de ovelhas que não tinham parido. Atualmente ela é preparada com um misto de carne bovina, suína e ovina, molho de tomates, queijo ralado, pimenta, sal e tomilho.
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