Roma surpreendente. Descoberto refúgio antiaéreo nos subterrâneos do Bar Necci

Roma é repleta de bares, restaurantes e cafeterias. Sendo assim, por que um turista deveria deixar a comfort zone do centro histórico e aventurar-se pela periferia da capital para conhecer um deles, o histórico Necci dal 1924? Para se surpreender e conhecer uma página importante da longa trajetória dessa cidade.

Eu mesma, que em dezembro completo 20 anos de vida aqui, sempre descubro algo novo em nossos passeios por Roma. Seria um ledo engano ou um pecado de presunção acreditar que uma metrópole com 2774 anos não é mais capaz de me revelar outras histórias.

Necci dal 1924 é o nome desse local que aqui no blog já foi tema do post “Pigneto, o bairro periférico de Roma que dita tendências”. Para quem não sabe, o Pigneto é um bairro da zona leste de Roma, até 1870 formado principalmente por terrenos agrícolas e residências particulares e mais tarde reduto histórico de operários, trabalhadores ferroviários, pequenos comerciantes.

Uma daquelas zonas populares da cidade que, em suas habitações precárias, nos anos do boom econômico do pós-guerra acolheu principalmente italianos do sul do país. Seu nome deriva dos “pini marittimi”, pinheiros plantados no bairro desde a sua fundação.

Aqui em Roma o Pigneto é o que a gente chama de “borgata”, área proletária e muitas vezes associada a clichês dos quais dificilmente consegue se desvencilhar.

Além de ter sido palco do filme “Roma Città Aperta”, é um dos bairros mais “pasolinianos” (em referência ao cineasta Pier Paolo Pasolini) de Roma. Ali ele gravou “Accattone” (Accatone – Desajuste Social), e as desventuras de seu protagonista, Vittorio, e de outras pessoas as margens da sociedade. A revista americana VanityFair classificou o Pigneto como o “Brooklyn de Roma”.

O tempo passou. A casa de Acccattone ainda está de pé na Via Ettore Giovenale 101 e com ela resistem estereótipos como bairro de tráfico de drogas. Acontece não exclusivamente no Pigneto, mas também em outras zonas da “Roma bene”, das casas elegantes, dos edifícios de estilo arquitetônico “Umbertino”.

De bairro popular o Pigneto se tornou meta para hipsters, alternativos e famílias. Sua área de maior prestígio do ponto de vista imobiliário- aquela conhecida como Villini – é disputada por romanos a procura de casas de cores pastéis, com o luxo de um jardim. Até o diretor de cinema e prêmio Oscar, Roberto Benigni, comprou um imóvel lá. Quem mora no bairro há décadas costuma, ironicamente, chamar essa zona de “I Parioli del Pigneto”, referindo-se a um bairro nobre da capital.

O Pigneto é o bairro alternativo, da street art, dos trilhos do trem, dos grafites, de lojas vintage, dos locais noturnos, da cultura underground e do Necci dal 1924, que é uma instituição para os moradores da zona.

Tudo começou graças a Enrico Necci, que de um vilarejo de província se muda para Roma na década de 20. Transportava tijolos e inaugurou um “smorzo” (venda de material básico para construção) ao lado de um convento transformado em taberna.

Com suas economias ele compra o local e o transforma em uma “latteria”, local que comercializava leite e que por reunir mesas de sinuca e cartas também era o ponto de encontro dos moradores do Pigneto.

Durante o fascismo o bar se transforma na sorveteria Gelateria Impero e ainda hoje, se você se sentar em sua área externa, poderá ver a janelinha que hoje emoldura a sua cozinha e através da qual, no passado, eram servidos os sorvetes às crianças do Pigneto.

Atualmente, não é mais unicamente um reduto dos moradores do bairro, mas um lugar frequentado por romanos que amam sua aura bohémien, artistas e turistas estrangeiros. 

Eu já frequentava o Necci dal 1924 há tempos, mas como Roma é como uma criança que, depois de minutos em silêncio sente a necessidade de se sentir notada, mostrando todo seu talento, voltei ao local nos últimos dias para conhecer a sua “velha nova atração”, o seu hipogeu ou cavidades subterrâneas.

Se trata de um lugar descoberto por acaso pelos atuais proprietários, em plena pandemia, durante o período em que o bar permaneceu fechado ao público.

Escavando as suas galerias, a cerca de 10 metros de profundidade, o que se revelou aos olhos de todos foi uma longa história. Inicialmente o local já foi uma pedreira de “pozzolana”, típico material de construção da Antiga Roma, usado inclusive na realização de aquedutos, já que é impermeável.

Durante o século XIX, como ali existia uma casa-fazenda em meio a videiras, foi usado como caves de vinhos. Ainda é possível notar as escadas com o mecanismo de cordas para descer barris.

Mais tarde, em plena Segunda Guerra Mundial. Seus subterrâneos serviram de refúgio antiaéreo para proteger os habitantes do bairro dos bombardeios da época.

Além dos bairros de San Lorenzo, do Quadraro, de Centocelle e TorPignatara, essa foi outra parte de Roma atingida durante o conflito. Essa história entusiasmou tanto os romanos que acabou virando um documentário e motivo de orgulho para os moradores do Pigneto.

Saindo do Bar Necci fomos até a casa que serviu de cenário para Accattone e encontramos um senhor que morou lá até alguns anos atrás.

Ele nos mostrou algumas fotos e contou que décadas atrás tinha vergonha de dizer que morava no Pigneto e que hoje, principalmente nos finais de semana, as ruas do bairro são invadidas por um vai e vem contínuo de turistas e curiosos. E que passado e presente hoje caminham de mãos dadas, sem que um observe o outro com desconfiança.

Ficou curioso? Você pode visitar o local gratuitamente, aos sábados e domingos, reservando a sua visita antecipadamente pelo e-mail info@necci1924.com

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