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O influencer de viagem que fascinou Cristóvão Colombo

Pergunta provocatória. Tem certeza de que os seus desejos de viagem são realmente seus? De que as metas que você sonha conhecer pelo mundo são ligadas unicamente a motivações pessoais e íntimas?

É verdade que nenhum de nós, mesmo aqueles mais intransigentes em suas convicções, é imune às tendências. Até aqueles que poderiam personificar o explorador perfeito, como Cristóvão Colombo, foram sujeitos à influência de personalidades de sua época.

Paolo dal Pozzo Toscanelli foi, involuntariamente, uma espécie de influencer ante literam. Nascido em Florença em 1397 e formado em Medicina, também era astrônomo, matemático e cartografo. Era um homem misterioso, que circulava pelas ruas de sua cidade usando um exótico turbante bordado e interessado em descobrir uma nova rota de especiarias, fazendo concorrência os navegadores árabes.

Os historiadores têm o registro de cartas trocadas entre Colombo e Paolo Toscanelli, e acredita-se que ele foi o maior inspirador do interesse de Colombo pelo oeste do globo terrestre.

Há algumas semanas a notícia que ocupou a páginas das mídias italianas foi aquela de uma TikToker que depois de passar um dia curtindo a neve na pequena cidade de Roccaraso, na região do Abruzzo (Itália central), atraiu para o vilarejo centenas de ônibus turísticos provenientes de Nápoles e arredores.

O movimento inesperado gerou pânico entre as autoridades locais, que tiveram que pedir reforços para administrar o grande número de turistas inexperientes em meio a pistas de esqui. Roccaraso, com seus menos de 1500 habitantes, se tornou o lugar sonhado para um final de semana perfeito no inverno.

O ponto aqui não é só discutir o impacto do overtourism inesperado, mas entender o que nos motiva a transformar uma meta no palco de nossos sonhos de viagem.

Vamos fazer um exercício simples. Se as redes sociais não existissem e você não tivesse o “estímulo-obrigação” de postar fotos de suas férias, viajaria exatamente para aquele determinado país? Visitaria justamente aquele monumento? Comeria exatamente naquele determinado restaurante?

Acredito que a transformação digital do turismo contemporâneo revele uma mudança profunda nos comportamentos e motivações dos viajantes modernos. Nos últimos anos assisto um fenômeno crescente: a priorização da imagem sobre a experiência autêntica de viagem.

Cristoforo Colombo e turismo

Estamos todos dando uma contribuição aquele que eu chamaria “turismo da estética”. Também faço um “mea culpa” e tento me policiar para não cair na tentação de só produzir conteúdo que agrade visualmente.

Os turistas contemporâneos cada vez mais selecionam destinos não pela riqueza cultural, histórica ou pela genuína vontade de exploração, mas pela potencialidade estética de criar conteúdo visual para suas redes sociais. Essa nova dinâmica transforma viagens de experiências pessoais significativas em performances visuais para uma audiência virtual.

Essa tendência se manifesta de diversas formas. Destinos com cenários únicos e fotogênicos – como os campos de lavanda na Provença, os girassóis da Toscana ou os desertos brancos do Salar de Uyuni – ganham preferência. A foto posada se tornou mais importante que a profundidade da experiência.

Cristoforo Colombo e turismo

As consequências desse fenômeno são múltiplas e complexas. Psicologicamente, os viajantes experimentam uma pressão constante de produzir conteúdo perfeito, esteticamente impecável. Cada destino se transforma em um potencial “cenário” para a narrativa virtual de suas vidas, onde a autenticidade muitas vezes é sacrificada pela aparência.

Economicamente, essa tendência impacta diretamente o mercado turístico. Destinos investem cada vez mais em infraestruturas “instagramáveis”, criando espaços e experiências desenhados especificamente para serem fotografados. Hotéis, restaurantes e pontos turísticos redesenham seus espaços pensando na sua reprodutibilidade digital.

Culturalmente, há um empobrecimento da experiência de viagem. Em vez de imersão, contemplação e aprendizado, muitos turistas passam horas ajustando ângulos, esperando a luz perfeita, buscando a pose ideal. O momento vivido é substituído pelo momento capturado.

Essa nova modalidade de turismo também gera consequências ambientais e sociais. Locais antes preservados e tranquilos enfrentam superlotação pelo desejo de registro. Comunidades locais são transformadas em cenários para produções fotográficas, perdendo sua autenticidade original.

Não se trata de condenar essa nova forma de viajar, mas de compreender suas nuances. O desafio para cada um de nós, viajantes contemporâneos, é encontrar um equilíbrio: como aproveitar o lado bom do compartilhamento sem perder a essência da viagem – a descoberta, o encontro, a transformação pessoal.

Cristoforo Colombo e turismo

Cristóvão Colombo enfrentou várias peripécias durante a sua viagem. Para obter o financiamento de sua expedição marítima não pode contar nem com uma plataforma de crowdfunding, nem com o burburinho das redes sociais.

Mesmo assim, a gente continua falando dele até hoje. 🙂

 

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