O milagre de San Gennaro entre devoção e superstição

O dia 19 de setembro é uma data que os napolitanos marcaram no calendário há tempos. Nenhum morador de Nápoles esquece que é nesse momento do ano que é festejado San Gennaro (São Januário), padroeiro e protetor da cidade.

Mesmo aos olhos de um ocidental católico, a fervorosa adoração de seus fiéis pode parecer idolatria. Em Nápoles San Gennaro é uma instituição e a festa em sua homenagem é um misto entre superstição e devoção. Ao santo os fiéis pedem favores de todos os tipos; desde a chance de engravidar até ganhar na loteria ou favorecer o próprio time de futebol. Nápoles é assim, um misto entre o sacro e profano, como o Cristo Velato da Cappella San Severo ou no famoso Cimitero delle Fontanelle

San Gennaro é parte indissolúvel da identidade napolitana e a sua fama superou fronteiras. Desde a década de 20 ele também é celebrado no bairro de Little Italy, em New York, pela numerosa comunidade italiana. Na Mooca, em São Paulo, também existe uma paróquia dedicada ao santo e frequentada pelos imigrantes italianos, mas como foi que o santo tornou-se um mártir? Por volta do ano de 305 – período da perseguição feroz do imperador Diocleciano contra os católicos – San Gennaro era o bispo de Benevento.

Assim como outros cristãos, foi preso e decapitado e após o seu martírio seu sangue coagulado foi recolhido em duas ampolas. As relíquias do santo e as ampolas foram transferidas para a Catedral de Nápoles e todos os anos, nos dias 19 de setembro, 16 de dezembro e o primeiro final de semana de maio, os fiéis aguardam ansiosamente o milagre da liquefação do sangue coagulado de San Gennaro.

O milagre teria acontecido pela primeira vez em 1389, quando a cabeça do santo foi colocada próxima das ampolas de sangue, e repetiu-se com continuamente com passar dos séculos. As três datas são muito importantes para os napolitanos e cada uma delas possui um significado específico. Setembro é ligo ao martírio do santo. O mês de maio é dedicado à Virgem Maria. Já em dezembro, segundo uma crença popular, em 1631 o santo teria impedido uma terrível erupção do Vesúvio.

Em troca de sua proteção, a população de Nápoles estipulou um contrato com o santo padroeiro. Em sua homenagem, ergueu-se uma capela dentro da catedral da cidade. O objetivo era conservar os inúmeros bens doados a San Gennaro por personalidades ou pela gente comum.  Estima-se que o chamado tesouro de San Gennaro seja mais valioso do que aquele da coroa britânica. Composto por mais de 21 mil peças de ourivesaria e joalharia, o tesouro é administrado por uma comissão popular e uma de suas peças mais importantes é o colar de San Gennaro, decorado por quase quatro mil pedras preciosas.

Desde 2003, o tesouro é administrado por um museu anexo à catedral e esse imenso patrimônio também foi tema de um famoso título do cinema italiano: Operazione San Gennaro. No filme, três bandidos vão até Nápoles com a intenção de roubar o tesouro dedicado ao santo. San Gennaro é sinônimo de devoção absoluta e todos os anos milhares de fiéis invadem a catedral de Nápoles na espera do fenômeno que é considerado de bom auspício. Para os napolitanos, se o sangue se liquefaz o ano será positivo. Nesse caso, a ampola é apresentada à multidão pelo arcebispo da cidade e os devotos gritam de felicidade e rezam agradecendo o milagre.

A liturgia é presenciada por expoentes da igreja católica e por autoridades locais porque essa é uma tradição transmitida orgulhosamente de geração a geração. Nos raros casos no qual o sangue não se liquefaz e permanence sólido, os napolitanos acreditam que esse seja um sinal de mau presságio.

Na data de 19 de setembro de 2023, às 10h02, hora italiana, o sangue se liquefez e a litúrgia em homenagem a San Gennaro foi concluída com aplausos.

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